Entrevista publicada na Revista CARTA CAPITAL
Fernando Siqueira, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás
(Aepet), diz que tragédia ambiental na bacia de Campos é oportunidade para rever
lei do pré-sal.Para ele, Petrobras, escolhida como operadora da área, poderia
administrar sozinha todo o processo exploratório sem depender de estrangeiras
selecionadas através de leilões.
Por Marcel Gomes
São Paulo – O presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras,
Fernando Siqueira, espera que o vazamento de petróleo em um poço explorado pela
companhia Chevron, na bacia de Campos, sirva de impulso para a revisão da lei do
pré-sal, com o objetivo de garantir exclusividade à Petrobras na exploração da
área.
A lei, sancionada em 2010 pelo presidente Lula, determina a realização
de leilões para definir qual empresa explorará cada poço, mas caberá à Petrobras
o papel de operadora, com 30% da futura sociedade exploratória. Para Siqueira, o
know-howda Petrobras em águas profundas diminui os riscos do processo e
garante que o produto será utilizado em benefício dos
brasileiros.
“Na época dos debates sobre a nova lei, eu perguntei a assessores do
governo Lula por que manter os leilões, e me responderam que não havia respaldo
político na sociedade para acabar com eles. Para isso, seriam necessários
pressão popular e povo nas ruas. Eu tenho feito 80 palestras por ano justamente
para defender essa causa”, disse ele à Carta Maior.
Nesta entrevista, Siqueira também analisa o acidente da Chevron, diz que
o problema teve natureza técnica (“sucessão de erros e mentiras”) e que não
acredita que a empresa estivesse tentando atingir o pré-sal (“a sonda que eles
estavam usando tem mais de 35 anos e, portanto, é obsoleta para o pré-sal”).
Leia os principais trechos a seguir.
Carta Maior – O que causou o acidente?
Fernando Siqueira
– O presidente da Chevron disse na TV Globo no dia 18 que “nossos
engenheiros subestimaram a pressão do reservatório”. É uma declaração evasiva
para fugir da realidade. A Chevron já possui poços em produção no mesmo
reservatório que vazou, portanto conhece a pressão. O que eles erraram foi o
dimensionamento da lama de perfuração [mistura de argila, aditivos químicos,
água, entre outros produtos, que é injetada no poço por meio de bombas]. A lama
tem a função de refrigerar a broca, expelir o material retirado e equilibrar a
pressão do poço, para impedir que as paredes desmoronem. Quando eles finalizaram
a perfuração, o pico de pressão já era um indício de que o controle do poço
estava perdido.
CM – Não havia como retomar o
controle
FS – Havia, mas eles cometeram um outro erro. Ao
perceber o problema, aplicaram uma pressão forte demais para retomar o controle
do poço e fraturaram o reservatório. Isso é muito preocupante, porque é difícil
mapear a localização de fraturas. A Chevron já "matou" o poço com a aplicação de
cimento, e agora precisa correr atrás das fraturas.
CM – Foi uma sucessão de erros.
FS – De erros e de
mentiras. Primeiro a Chevron não percebeu o vazamento, que foi detectado pela
Petrobras. Depois a empresa insinuou que o óleo era do campo de Roncador, da
própria Petrobras, o que foi descartado pelo nosso centro de pesquisa [da
estatal] após análise do DNA do petróleo. Confirmado a origem, a Chevron ainda
subdimensionou o vazamento.
CM – Então o senhor acredita em erro técnico? Descarta a
hipótese que surgiu de que a Chevron tentava atingir a camada
pré-sal?
FS – Não acredito nessa hipótese. A sonda que eles estavam
usando tem mais de 35 anos e, portanto, é obsoleta para o pré-sal. O aluguel
dela custava à empresa 315 mil dólares por dia à empresa, enquanto uma
plataforma adequada para aquela profundidade custaria 700 mil
dólares.
CM – Diante de tantos erros, faltou fiscalização dos órgãos
de controle?
FS – Constatados os erros sucessivos, teria de suspender a
Chevron. Há a possibilidade de aplicação de multa, mas os valores que praticamos
no Brasil são irrisórios
perto do montante envolvido com um negócio desse tipo.
CM – A maior ação judicial contra uma companhia
norte-americana fora dos Estados Unidos tem como ré justamente a Chevron, no
Equador, em um montante estimado em US$ 27 bilhões, por degradação ambiental e
contaminação de comunidades inteiras. Houve o recente problema com a BP no Golfo
do México. Como melhorar o controle sobre essas companhias?
FS – Todas
essas empresas têm histórico de poluição e depredação ambiental no mundo todo. A
Shell destruiu a biodiversidade do delta do rio Níger de tal maneira que a
Nigéria hoje importa peixe. Por isso eu defendo mudanças na política do país
para o setor, com o fim dos leilões, simplesmente porque quem detém hoje a
tecnologia de exploração em águas profundas é a Petrobras. Já que a lei do
presidente Lula, corretamente, definiu que a Petrobras será a operadora de todos
os campos, para que precisamos de um parceiro internacional que pode
desrespeitar nossas leis e ainda levar metade do petróleo?
CM – A Petrobras tem condições executar toda a exploração
sozinha?
FS – Na verdade ela é uma intermediária, mesmo papel que as
empresas do exterior irão fazer. Nesse caso, deveríamos optar pela melhor
intermediária, que é a Petrobras. Os três gargalos da exploração em água
profundas são perfuração, operação no fundo do mar e linha flexível entre fundo
do mar e navio. A perfuração é feita por um conjunto de empresas internacionais
que oferecem o serviço, não são as petroleiras, e a Petrobras participou do
desenvolvimento de todo esse know-how. O sistema de operação no fundo do mar,
através de válvulas remotamente controladas, também foi 60% desenvolvido pelo
Centro de Pesquisa da Petrobras. Por fim, a linha flexível é um serviço
oferecido por uma série de empresas. Enfim, a Petrobras pode intermediar toda
essa tecnologia melhor do que qualquer um.
CM – O debate sobre a lei que rege a exploração do pré-sal se
concentrou no debate entre concessão e partilha e no volume dos royalties para
Estados produtores. O fim dos leilões e a elevação da Petrobras a um papel mais
central foram questões secundárias. Por quê?
FS – Na época dos debates
sobre a nova lei, eu perguntei a assessores do governo Lula por que manter os
leilões, e me responderam que não havia respaldo político na sociedade para
acabar com eles. Para isso, seriam necessários pressão popular e povo nas ruas.
Eu tenho feito 80 palestras por ano justamente para defender essa causa. Na
década de cinqüenta, quando o petróleo era apenas um sonho, houve um grande
movimento cívico por essa causa. Agora que o sonho se tornou realidade e o
Brasil virou o Iraque da América do Sul, temos obrigação de manter esse bem para
o povo brasileiro.
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