Aeroportos lotados, voos e ônibus atrasados, passageiros insatisfeitos,
recall de veículos e acidentes graves, que envolvem carros, aeronaves e
embarcações. A lista de itens capazes de gerar crise à credibilidade das
empresas de transporte é extensa. Por este motivo, elas devem se preparar para
evitar ou, pelo menos, minimizar os efeitos de um problema cuja repercussão pode
arranhar uma imagem construída ao longo de anos de trabalho.
Especialista
em gestão de crises e comunicação estratégica, João José Forni tem dezenas de
artigos e capítulos de livros publicados sobre o relacionamento da mídia com as
empresas, com foco na administração de crises de imagem. Ele concedeu entrevista
à Agência CNT de Notícias e falou sobre a atual conjuntura das empresas
de transporte nessa área, além de dar alguns conselhos às organizações.
Confira:
Por
Rosalvo Júnior
Agência CNT de Notícias
Porque as empresas de transporte são bastante
vulneráveis à ocorrência de crises?
O produto das empresas de
transporte é um serviço que envolve risco e lida com pessoas. Com esses dois
componentes, há grande probabilidade de crises. Isso vai desde a segurança dos
equipamentos utilizados, até a segurança física das pessoas. As máquinas sofrem
com desgastes naturais e isso se soma ao fato de o serviço envolver um grande
número de pessoas, o que acaba tornando essas empresas bastante propícias a
crises. Esse risco potencial precisa ser bem administrado.
Há uma
forma de evitar – ou, pelo menos, minimizar – os efeitos de uma crise de
reputação?Sim, as crises de reputação que afetam as empresas
ocorrem, em sua maior parte, porque a prevenção e o risco não foram bem
avaliados. Existem empresas que fazem manutenção correta, utilizam equipamentos
novos, tomam cuidado ao lidar com as pessoas. Elas estão certamente minimizando
o risco de ter uma ameaça séria à reputação. Empresas sérias, que não querem se
envolver em crises, cuidam e fazem prevenção permanente.
Em
geral, as empresas de transporte, no Brasil, têm uma visão de crise? Como está a
situação atual? Elas têm melhorado?
Houve um avanço na qualidade
das empresas de transporte. Há uma grande credibilidade da população nas
empresas, tanto de transporte terrestre, quanto aéreo. Ainda existem restrições
ao transporte fluvial, pela quantidade de acidentes, muitos em decorrência da
falta de fiscalização e de punição.
Mas ainda ocorrem problemas com o
atendimento, que continua precário. As companhias aéreas, por exemplo, devido ao
aumento da demanda nos últimos anos, não se prepararam para a pressão decorrente
de outro perfil de passageiro e até mesmo do crescimento no número de usuários.
Com isso, existem muitas queixas. Existem falhas que precisam ser sanadas. Essa
é a forma de evitar crises.
"Empresas de transporte estão propícias a crises e esse risco precisa ser bem
administrado"
As empresas de transporte devem
possuir um comitê de crises? Como estruturá-lo? Ou ele deve ser instalado apenas
em situações extremas?
O comitê, principalmente para empresas
que têm risco elevado, como a área de transporte, deve existir antes da crise.
Ele deve ser estruturado com poucas pessoas e ser acionado sempre que um
problema grave se instalar. Deve ter um coordenador, alguém que tenha muita
força na organização e a confiança absoluta da diretoria. A escolha dos membros
do comitê depende do tipo de crise, mas não podem faltar as áreas jurídica, de
recursos humanos e, certamente, a comunicação.Diante das crises
que envolvem pessoas, qual a primeira atitude a ser tomada? Como priorizar as
vítimas e familiares? Como agir de forma rápida e eficaz?Há um
princípio fundamental de gestão de crises que diz: primeiro as pessoas. Depois,
o meio ambiente. E só então, equipamentos, instalações e dinheiro. A primeira
preocupação, sempre, são as vítimas e os familiares. Toda a assistência, sem
economia de recursos, deve ser prestada. No caso de acidentes graves, as
empresas que “cuidaram” das pessoas, lidaram melhor com a crise, durante e
após.
As pessoas sabem que os acidentes acontecem. Mas as empresas,
muitas vezes, pioram a situação com o mau atendimento, falta de assistência,
desrespeito, omissão. Muitas fogem da responsabilidade e tratam mal as pessoas.
Além da rapidez, que é um mandamento básico, deve haver o sentimento de que a
empresa é responsável pelo bem-estar e pelo transporte das pessoas. Não importa
quem seja o culpado. É nesse item que as grandes empresas muitas vezes pecam e
acabam piorando a situação.
Como as empresas de transporte podem
recuperar a credibilidade perdida?
Tudo depende das primeiras
horas, da forma como a empresa se comporta e trata os stakeholders
(grupos que têm interesse no sucesso da empresa: funcionários, acionistas,
clientes, fornecedores, governo e outros). Existe um erro das empresas que
tentam solucionar o problema a partir da própria ótica, como se ele fosse apenas
da organização. E não do interesse dos públicos envolvidos. Uma crise grave,
como um acidente aéreo, é um problema também da comunidade, da sociedade
atingida pela tragédia. É a partir dessa visão que a crise deve ser
administrada.
Muitas empresas respeitam os direitos das pessoas
envolvidas; são proativas em buscar soluções; vão atrás das causas para dar,
pelo menos, uma satisfação aos parentes. Mas nenhuma empresa sai incólume de uma
crise dessas. A credibilidade se conquista com a verdade, ainda que difícil, e
com o respeito e a honestidade. Apesar de o acidente ser um fato extremamente
negativo, a forma de agir pode minimizar o arranhão e preservar, ainda que com
algum desgaste, uma boa reputação.
O governo tem responsabilidade
em crises no setor de transporte? O apagão aéreo, em 2006 e 2007, por exemplo,
também é resultado da falta de fiscalização, além do despreparo das
companhias?
Sim, o governo tem que fiscalizar as empresas de
transporte, por meio das agências e organismos existentes. No caso do apagão
aéreo, não há dúvida de que o governo Lula, pela inércia, também contribuiu para
que o caos se instalasse. A greve dos controladores foi apenas um pretexto, mas
não a causa do apagão. O governo, além de não fiscalizar, contribuiu para piorar
um cenário que estava caótico.
Quando as autoridades se omitem, as
empresas fazem o que querem: overbooking, atrasos, extravio de malas,
cancelamento de voos, redução do espaço entre os bancos e outros transtornos. Se
de um lado existe a culpa das empresas que, por viverem abarrotadas de clientes
não se preocupam com a qualidade dos passageiros, na outra ponta está o governo.
Ele deve fazer a sua parte e não faz, principalmente no rigor da
fiscalização.
Em casos de
recall nas montadoras de veículos,
por exemplo, a melhor saída é reconhecer o erro imediatamente? Há companhias que
enfrentam crises porque não ouvem os apelos dos clientes...
No
caso de recall, como nas montadoras, o que funciona é a proatividade:
antecipar-se à crise e avisar os clientes. É importante ter um bom serviço de
assistência, para evitar problemas que não foram detectados nas revisões ou na
fabricação e que aparecem depois. Alguns carros apresentam problemas e a empresa
se nega, de início, a reconhecê-los. Resultado: o desgaste recai sobre a
empresa. Esse descuido pode levar uma grande multinacional à condenação pública.
Negar o problema pode ser o agravamento da crise. O recall, portanto, é uma
demonstração de respeito ao consumidor. Não um favor.Como se
deve agir frente às empresas que “prometem o céu’’, mas desrespeitam os
clientes, almejam apenas lucros e pouco se preocupam com uma crise
iminente?As empresas que “prometem o céu” e não cumprem terão
uma crise mais cedo ou mais tarde. A pergunta é oportuna porque, hoje, grande
parte das crises das empresas de serviços é por causa de desrespeito ao
consumidor. Mas a relação com os clientes melhorou muito nos últimos anos. Hoje
o consumidor está mais consciente e busca seus direitos, até mesmo na Justiça. É
isso que vai melhorar a relação comercial e aprimorar o respeito ao cliente. Nós
ainda não temos essa cultura, muito comum no exterior.
Em resumo, as
crises, ao contrário do que muita gente pensa, não são construídas pelos nossos
inimigos, pela concorrência, pela fiscalização ou pelo azar. As crises, em sua
quase totalidade, têm origem em erros de gestão, pecados que a organização
comete e não leva a sério.