O lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007 representou o primeiro esforço para recolocar o problema do desenvolvimento econômico e social do Brasil, obliterado ao longo de 12 anos pela ideologia dominante. Esta assegurava que a necessária e imprescindível estabilidade e o desenvolvimento eram incompatíveis. Ou melhor, que depois da estabilidade (e de todas as "reformas", algumas realmente urgentes e necessárias), um "Estado-espectador" assistiria ao milagre do desenvolvimento produzido pela força da gravidade dos preços "certos" determinados pelos mercados...O PAC é uma coleção de projetos fundamentais à construção da infra-estrutura exigida para o desenvolvimento econômico (energia, estradas, portos) e o desenvolvimento social (saneamento, água, transporte urbano).
Um aspecto importante na execução do PAC é o reconhecimento que a superação definitiva dos gargalos da nossa infra-estrutura (consumida pela falta de investimentos dos últimos 25 anos) depende: 1) de um planejamento estratégico de médio e longo prazos; 2) do fortalecimento da regulação e da competitividade; 3) de instrumentos financeiros adequados a investimentos de longo prazo; 4) de parcerias entre o setor público e o investidor privado; e 5) da articulação entre os entes federativos.O item 2 tem um papel decisivo. Foi ele que permitiu a superação da angústia do governo diante da necessidade imperiosa de transferir certos serviços públicos à atividade privada.
O enorme sucesso das últimas concessões de estradas e energia mostraram que o Estado dispõe de mecanismos adequados para enfrentar o problema da assimetria de informações e defender o consumidor.O nome do jogo é "competição" com a garantia que ela continuará depois das concessões. Isso exige bons leilões e eficiente aparelho regulatório. Mas é preciso reconhecer e antecipar a "ilusão competitiva" que pode ocorrer quando num concurso de "menor preço", por exemplo, um dos agentes pode manipular a cadeia formadora dos "preços seguintes", que estarão fora do controle da agência reguladora.
É o caso das concessões portuárias, onde um armador estrangeiro pode oferecer um preço "simbólico", porque teria condições de manipular na frente o custo do frete, que escapa a qualquer controle a não ser ao da concorrência de outro armador. No final dos concursos por "menores preços", teríamos a entrega dos portos a um oligopólio de armadores sobre os quais não haveria controle. Mas por que falar em armador "estrangeiro"? Não há nenhuma xenofobia.
Apenas porque os nossos ou foram à falência (Netumar), ou foram liquidados (Lloyd Brasileiro) ou foram vendidos a estrangeiros (Aliança) por problemas próprios ou criados pelos governos. Se ainda existissem, comportar-se-iam exatamente como os estrangeiros...Terminais de uso misto dificultariam regulaçãoEssa observação parece importante no momento em que se discute uma mudança de legislação, que eventualmente autorizará a instalação de terminais estritamente privados (sem a saudável exigência de carga própria significativa), que poderão movimentar cargas de terceiros: os estranhos terminais privativos de "uso misto". Quando há carga própria significativa, a razão para a carga de "terceiros" é que ela reduz os custos operacionais pelos ganhos de dimensão.
Tais terminais competiriam com terminais verdadeiramente de "uso público", que são arrendados por licitação pública, por período bem definido e com a obrigação de devolver os ativos ao Estado uma vez findo o contrato.A não-exigência de carga própria em volume significativo possibilitaria ao autorizado, com um pequeno sofisma, exercer as funções de terminal público e operar contêineres de terceiros com evidente desrespeito à pré-condição de uma licitação com custos e obrigações de uma operação efetivamente pública.
No longo prazo, suas conseqüências podem ser desastrosas para a regulação da atividade.No caso de exportação de produtos agrícolas, nada impede que os pequenos produtores (que desejam livrar-se da pressão exercida pelas exportadoras que têm terminais de "carga própria") organizem-se na forma de cooperativas (ou outros arranjos) e possam também operar em terminais de "carga própria" significativa e, com investimentos adequados, manipular carga de terceiros para reduzir os seus custos. A mesma solução podem encontrar os pequenos exportadores de produtos minerais. Não há, portanto, a necessidade de terminais de "uso misto", que podem pôr em risco a eficácia da agência reguladora.
Os portos são muito importantes para a produtividade total da economia brasileira e os avanços na privatização da operação com rigorosa regulação estatal foram fundamentais para sustentar um aumento de mais de 20% ao ano do valor de nossas transações externas. Foi isso que estimulou, no início de 2007, a criação de um programa do governo federal para desonerar a carga tributária que incide sobre os investimentos de infra-estrutura, o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Infra-Estrutura (Reidi), que alcança a ampliação dos portos privados.
Na última década, a movimentação de contêineres nos portos brasileiros cresceu à taxa de 14% ao ano com um aumento notável da velocidade de manipulação. Tão importante quanto manter e aprofundar a política de privatização é mantê-la sob controle regulatório, que impeça a eventual formação de oligopólios que não poderão ser alcançados por ele, o que parece poderia ocorrer com a proposta dos terminais privativos de "uso misto".
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